Igor Antônio, conhecido como “Garoto Crochê”, começou na pandemia e hoje é referência em artesanato local, com peças vendidas em feiras, pelas redes sociais e até para outros estados.
Sua história se entrelaça com a de muitas outras pessoas que, como ele, enfrentaram o preconceito para transformar o crochê em arte, renda e superação.
Em meio ao isolamento social da pandemia de Covid-19, o jovem roraimense Igor Antônio, então com 16 anos, descobriu no crochê uma oportunidade de empreender — e também uma forma de romper barreiras sociais.
Hoje, aos 20 anos, ele é conhecido como Garoto Crochê, e vem se destacando com peças artesanais que encantam públicos de todas as idades.
O início não foi fácil. Como muitos adolescentes, Igor buscava formas de ter sua independência financeira. Tentou vender trufas e geladinhos, mas nada o empolgava. Até que, incentivado pela mãe — crocheteira há mais de 10 anos — resolveu experimentar a arte do crochê.
“Comecei a fazer crochê em 2020, na pandemia. Via que alguns dos meus amigos já tinham um celular bom, um transporte… então resolvi trabalhar. Mas nada dava certo. Foi quando minha mãe sugeriu que eu tentasse o crochê, e aceitei”, relembra.
Com uma agulha, uma linha e a orientação materna, surgiram as primeiras peças. Mas junto com elas veio também o preconceito.
“No início, ouvia muito: ‘homem não faz crochê, isso é coisa de mulherzinha’. Mas mesmo assim continuei, porque vi que podia dar certo”
Igor Antônio.
Persistente, Igor enfrentou erros e dificuldades. O primeiro tapete demorou a ficar pronto, mas logo foi vendido — e esse momento marcou uma virada em sua trajetória. A venda da primeira peça lhe deu coragem para continuar, estudar mais e aprimorar sua técnica.
Hoje, Igor produz peças variadas, com estilo moderno e criativo, conquistando clientes de diferentes faixas etárias. Entre os itens mais vendidos estão tapetes personalizados, bolsas, órios de decoração e até roupas feitas sob encomenda. Seu trabalho é divulgado pelo Instagram e também comercializado em feiras locais em Boa Vista, além de alcançar clientes em outros estados.
Crochê é transformação: relatos de quem ensina e vive a arte 442e73
A história de Igor se conecta a tantas outras que mostram como o crochê vai além da estética. Para a experiente instrutora Paulina de Fátima Araújo Farias, que há anos ensina crochê e técnicas artesanais em comunidades urbanas e indígenas de Roraima, o crochê é também um instrumento de superação, inclusão e fortalecimento cultural.
Paulina lembra com carinho do tempo em que deu aula de pintura e crochê na comunidade indígena Da Raposa no município de Normandia, dentro do território indígena. Lá, encontrou histórias que desafiavam qualquer tipo de preconceito.
“Tinha um homem da comunidade, o Tuxaua, que me marcou muito. Ele não tinha dois dedos da mão, mas mesmo assim quis aprender o crochê. E aprendeu! Fez bico de crochê nas camisetas e panos de prato, com naturalidade e dedicação”, relembra.
Em outra comunidade, próxima ao *Trairão, Paulina participou de um resgate cultural: ensinar o uso da *fibra de buriti para fazer crochê. O processo era artesanal do início ao fim — desde subir no pé de buriti, retirar as palhas, preparar a fibra e transformá-la em fio.
“Lembro de um senhor, esposo da Rita, que aprendeu a fazer sandálias com esse material. Isso mostra que o crochê pode nascer de qualquer lugar, inclusive da natureza, e ser praticado por qualquer pessoa.”
Mesmo com essas experiências transformadoras, Paulina destaca que o preconceito ainda é mais forte na cidade. Em Boa Vista, ela acompanha de perto um jovem de 17 anos que está aprendendo crochê.
“Algumas pessoas olham torto, mas ele não liga. Já fez peças e vendeu. Digo para todos: o crochê é uma arte ampla. Exige concentração, foco, alivia a ansiedade e pode ser fonte de renda.”
Ela aprendeu o ofício com as avós aos sete anos e afirma com convicção:
“A grandeza do crochê está nisso: transformar um novelo de linha em algo que você conta, ponto a ponto, com concentração. Não é só fazer: é pensar, é se dedicar. Você pode criar roupas, bonecos, flores, brincos, colares, amigurumis… e também transformar vidas.”
Crochê sem gênero: arte, renda e liberdade 456r6f
As histórias de Igor e dos alunos de Paulina mostram que o crochê é, sim, para todos. Romper com o machismo e os estigmas culturais que associam a técnica ao “universo feminino” ainda é um desafio — especialmente em contextos urbanos —, mas o exemplo de homens que encaram o crochê como arte, profissão ou terapia é cada vez mais comum.
Enquanto Igor sonha em expandir seu negócio e inspirar outros jovens, instrutoras como Paulina seguem ensinando com amor e consciência social, plantando sementes de respeito e criatividade em cada ponto.
“Toda arte é arte. E não é específica só para homem ou só para mulher”, conclui Paulina.
Créditos: Kamylly Lima